Mutantes contra o realismo
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O mote realista parece ter deixado de fazer sentido para vários tipos de público na TV
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A NOVELA parece enredo de escola de samba, só que construída a partir de elementos da cultura pop: quadrinhos, filmes a partir de quadrinhos, séries de TV com inspiração no mundo dos quadrinhos e narrativas adolescentes de namoro, deslocamento social etc.
É como se "Malhação" fosse escrita por um Stan Lee mais fantasioso, ou como se um Spielberg mais pobre se dedicasse a fazer séries de TV para Bollywood ou, ainda, como se uma emissora de TV contratasse um ex-roteirista da poderosíssima concorrente para dar rédeas à imaginação e fazer justamente tudo aquilo que, na outra, não seria aceitável. Ops, o que é exatamente o caso.
A segunda fase de "Caminhos do Coração", chamada de "Os Mutantes", radicaliza aquilo que já estava na fronteira. Em sua primeira fase, a novela testou o roteiro assumidamente juvenil, recheada de protagonistas crianças e adolescentes -coisa que sempre funciona para o público mais jovem- e com total descompromisso com a verossimilhança e com o "realismo".
É justamente esse "realismo" que parece estar, de alguma forma, atrapalhando a Globo -e do qual as novelas mais bem-sucedidas da Record têm se livrado. Se o sucesso da telenovela nos anos 70 passava por uma representação do Brasil que até poderia se arrogar certas unanimidades socioculturais -contra o "atraso" do campo e a favor da modernidade urbana, contra o autoritarismo, difuso pelos costumes patriarcalistas e machistas e pelos desmandos das autoridades, e a favor de relações também difusamente mais democráticas-, hoje não há mais tantos acordos assim que sustentem a representação simplificada que é possível fazer na telenovela.
O mote realista parece ter deixado de fazer sentido para vários tipos de público -e talvez seja por isso que tanto o tratamento hiper-realista da violência urbana em "Vidas Opostas" como o não-realismo pop de "Caminhos do Coração"/"Os Mutantes" tenham sido, até agora, as apostas teledramatúrgicas mais consistentes da Record.
Não deixa de ser curioso que essa teledramaturgia "nova" da Record tenha, de certa forma, voltado a olhar o cinema. "Vidas Opostas", certamente, "viu" "Cidade de Deus" e "Carandiru", bem como há em "Caminhos do Coração"/"Os Mutantes" várias referências ao cinema americano de entretenimento.
Foi assim, apostando em entretenimento juvenil e descontroladamente "divertido", que o cinema norte-americano reverteu a fuga de público nos anos 70. Quem sabe é este também o caminho da Record com as novelas.
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